Dança das cadeiras

Éramos todos crianças dançando em círculo ao redor de uma fogueira O fogo da infância se extinguiu Os meninos ganharam barbas e as meninas se tornaram mulheres

Colocaram cadeiras no centro de nossa dança E elas eram insuficientes para todos Segundo as novas regras Alguém sempre teria que ficar de fora

Uma das crianças, Carlos, tinha pouca disposição, mas seu pai conhecia alguém que conhecia alguém no governo do estado E deram para Carlos uma cadeira confortável para ficar sentado Jeferson se sentou na cadeira de advogado, era um bom menino, meus pêsames para ele Mariana sentou-se numa cadeira de avião e foi viver a vida bem longe

E me mostraram que sua tão famosa liberdade Era a liberdade de escolher uma dentre algumas Cadeiras disponíveis

E quando eu disse que queria me sentar na cadeira de Presidente, me disseram: “Você é louco? Você não serve. É baixo demais, suas pernas são tortas E seus pensamentos, sobretudo seus pensamentos são todos estúpidos e perigosos. Sente-se aqui nessa cadeira de comerciante.”

Existem ainda cadeiras onde não se sentam os negros Os gays ou as mulheres E chamam isso de ordem!

Pergunto: Eu que só sirvo para a rebeldia e para o amor Sirvo para mais o que? Nessa ‘ordem’, certamente pra nada!

Para o inferno com suas cadeiras! Que elas estão todas amarradas em ideias antigas Que eu já não posso mais engolir

Eu me sento onde eu bem quiser Ou se eu não quiser eu não me sento Saio por aí andando, correndo, pedalando Ou quem sabe dançando Até que um objeto chame minha atenção

E eu quero uma nova abolição, Eu quero ser gente! Não um porco que engordam pro Natal, Não um cavalo que dominam com um chicote Não o cordeiro em suas salas de aula Gente, por favor… gente!

Vasto é este mundo e Tão caro é viver, tão caro é ser gente! Passam eles com suas cadeiras Há espaço pra todos nesta terra

E me importa tão pouco ser rico em qualquer coisa senão em vida Eu é que não me deixo enganar Quero pra mim as riquezas verdadeiras E pra todos o que a vida pode dar de melhor Seria o que senão o amplo espaço para seu desenvolvimento verdadeiro?

  • Jota Teles